terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O BARCELONA E O NOVO "COMPLEXO DE VIRA-LATAS"

Por Valacir Marques Gonçalves*

Certa vez, alguém disse que, entre as coisas menos importantes, o futebol é a mais importante - concordo! Talvez, por isso, o drama vivido por muitos torcedores durante o jogo Santos e Barcelona tenha me dado a impressão de que o episódio transcendeu a um mero espetáculo esportivo. Muitos comentaram a derrota do Santos, mas foi difícil explicar todo o seu significado. O Barcelona não só venceu, como humilhou o clube berço de Pelé que, no passado, reuniu jogadores que encantaram o mundo, chegando a conseguir uma trégua numa guerra para mostrar sua arte...

Foi impossível deixar de lembrar Nelson Rodrigues. Numa crônica antológica, depois do Brasil perder, em pleno Maracanã, uma Copa do Mundo para o Uruguai, ele disse: “os jogadores partiram para disputar a Copa de 58, e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: ‘O Brasil não vai nem se classificar! ’. A derrota frente aos uruguaios ainda faz sofrer na cara e na alma qualquer brasileiro. Eu vos digo: “O problema da seleção não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas”...

E não era, o Brasil venceu a Copa de 58 e mais quatro Copas do Mundo. Agora vejo que, depois da derrota do Santos, alguns querem que voltemos a nos sentir vira-latas. O Santos perdeu para um time que impôs um novo estilo de jogo, mas não se trata de uma equipe invencível. Ver Messi e seus companheiros é um privilégio, mas também vimos Pelé e Garrincha um dia... Os espanhóis precisam saber que não venceram uma escola composta de vira-latas, que o jogo foi apenas mais um capítulo de uma grande história. Precisamos lamber as feridas e voltar mais fortes, como já fizemos em outras oportunidades, apesar da descrença de muitos.

Depois da Copa de 1966, aconteceu algo parecido. O rei Pelé foi cassado na Inglaterra, saiu de campo com seus companheiros derrotado, machucado, quase humilhado. O mundo esportivo logo decretou que o futebol arte tinha morrido naquele dia, que o futebol força era irreversível e uma nova ordem estava instalada. O Brasil voltou de cabeça baixa, com os especialistas repetindo que o refinamento estava abolido em nome da força e do preparo físico. Não demorou mais do que quatro anos para os brasileiros mostrarem que a história não era bem assim. A maravilhosa seleção de 70, tendo à frente Pelé, no auge, mostrou ao mundo que o Brasil tinha se reinventado, que estava de volta com toda a sua magia.

Agora temos o “fantástico” futebol espanhol e seu representante máximo, o Barcelona de Messi. O mesmo que, não faz muito, integrando sua seleção, perdeu de goleada para o Brasil, em casa. Estamos por baixo de novo. Falam (outra vez) de uma nova maneira de se jogar futebol. Está na hora de nos reinventarmos novamente. A derrota do Santos foi emblemática, mostrou que o nosso futebol está doente. Os sintomas estão aí: vemos empresários serem “donos” de jogadores, assistimos aos nossos clubes investirem milhões em escolinhas, e de lá serem retirados meninos por atravessadores gananciosos. Quem defende esse estado de coisas precisa entender que o povo brasileiro não torce pra empresários, que os torcedores amam os clubes, razão de ser do futebol mais vitorioso do planeta.

Mais: “treinadores”, técnicos, e sei lá o nome que dão para essa gente, ganham fortunas inimagináveis sem nenhum compromisso com resultados. Chegam nos clubes com grandes “comissões técnicas”. Um deles chegou num certo clube com cinegrafista a tiracolo; outro mandou derrubar um muro... Outro mandou a direção de um clube calar a boca depois de uma derrota, enquanto outro disse que era tudo com ele, que tudo passava pela sua direção, que se não fosse assim pediria demissão...

Quanto aos atletas, o profissionalismo só é visto na hora da assinatura do contrato. Exigem altos salários, mas precisam ficar “concentrados” durante dias em luxuosos aposentos para não cometerem excessos... Se essa moda pegar, vão inventar “concentrações” em todo tipo de atividade... Já representantes de clubes de países quebrados levam nossos jogadores por valores ridículos. São apenas alguns tópicos, existem muitas outras coisas que precisam ser discutidas.

O complexo de vira-latas não pode colar. Vou pedir ajuda até para quem não está mais entre nós. Vou pedir socorro pro Garrincha, pro Tesourinha, pro mestre Didi, pro Dida, pro diamante negro Leônidas, pro mestre Ziza, pro queixada Ademir, e tantos outros gênios do nosso futebol. Essa gente que está à frente do futebol nos dias de hoje não pode jogar a história no lixo. Um novo complexo de vira-latas é tudo que não precisamos. A nossa escola é única, tratar a bola como as piranhas tratam carne não faz parte da nossa alma. Deixem isso longe da gente, no país do futebol, a magia ainda mora no coração do povo...
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* Gaúcho de Bagé. Policial federal aposentado. Bacharel em Jornalismo e Direito, com especialização em Cooperativismo e Jornalismo Sindical. Presidente da Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul. É sócio fundador do Sindicato dos Policiais Federais do mesmo estado onde foi um dos criadores e incentivadores do Jornal “Modus Operandi” e do site da entidade. Foi titular da “Coluna do Vala” no site da Federação Nacional dos Policiais Federais/FENAPEF. Tem textos publicados em vários sites destacando-se, entre outros: “Observatório da Imprensa”, “Consultor Jurídico”, da Associação Nacional dos Procuradores da República, da Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Rio de Janeiro e da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais.

e-mail: vala1@uol.com.br
Blog do Vala: www.valacir.com

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