Em entrevista póstuma, PC Farias comenta o Brasil de hoje...
Por Valacir Marques Gonçalves
No ano de 1973, o jornal “O Pasquim”, “bíblia” de uma geração, publicou uma entrevista póstuma com Noel Rosa - o grande Noel, de “Palpite Infeliz” e “Ultimo Desejo” -, falecido em 04 de maio de 1937. A primeira providência dos entrevistadores foi pedir desculpas aos leitores, lembrando que ele estava há muito sem dar entrevistas…
Gostei da ideia.Vendo o que anda acontecendo por aí, resolvi imaginar uma entrevista com o falecido PC Farias - um “exemplo” ainda para muitos... Para os jovens, esclareço que falo de Paulo César Farias, vulgo “PC”, tesoureiro de campanha do ex-presidente Fernando Collor, que renunciou após de ter sido acusado de várias irregularidades e sofrer um processo de impeachment. Collor, que renunciou para não ser afastado, e que, depois dos oito anos regulamentares, está aí outra vez: é senador da República, com a obrigação de cumprir todos os deveres de um senador e, principalmente, gozar de todos os direitos...
Sei da minha responsabilidade, o personagem faz parte da nossa história... Figura emblemática, símbolo de uma época, ele tem muito a dizer, muito a revelar. Na entrevista “concedida” pelo Noel, as “respostas” foram retiradas de letras das grandes canções escritas por ele. Já o PC não escreveu nada, mas muitos gostariam de saber a opinião dele sobre o Brasil atual, sobre seu desaparecimento, sucessores, vitórias, derrotas, arrependimentos e por aí afora. Arrisco-me a imaginar o que ele responderia… A primeira pergunta seria o que ele acha dos seus sucessores. Olhando o atual cenário, diria que, comparado com eles, hoje ele seria apenas um “trombadinha” incompetente, sem talento para gozar a vida com toda a plenitude que um país como o Brasil proporciona...
Depois perguntaria qual a frase que mais o fascinou depois que saiu do poder. A resposta é fácil de ser prevista. Certamente ele diria que foi a inesquecível: “Sai daí Zé, sai ligeiro!”. Por que ele escolheria essa? Não é difícil imaginar, pois só o “Zé” conseguiu rivalizar com ele na concentração de poder e na proximidade junto aos presidentes que ajudaram a eleger. Os dois tiveram dias de glória, foram bajulados e alvos de todo tipo de holofote. Mas com uma grande diferença: PC foi preso e algemado...
Perguntaria também ao PC se ele se considera injustiçado. A pergunta não poderia deixar de ser feita. A resposta é previsível, pois está sendo copiado... Ele responderia que não fez nada, que foi tudo armação, que era uma pessoa do bem, embora soubesse que, já naquela época, o inferno estava cheio de pessoas bem intencionadas… Na prática, todos puderam ver o que aconteceu quando ele foi investigado. Alguns disseram que realizaram um trabalho brilhante na apuração dos fatos, indiciando o tesoureiro em dezenas de inquéritos. Mas todos sabem que ele foi assassinado numa casa na beira da praia, na cama, ao lado de uma bela jovem com quase a metade da sua idade… Certamente PC não “entregaria” que estava satisfeito com a vida que levava. Mas, se aquilo era algum tipo de castigo, serviu de inspiração para muitos...
Perguntaria também sua opinião sobre o mensalão. O que ele está achando do julgamento. Ele diria que está bem mais fácil lidar com dinheiro público, que as coisas estão mais acessíveis para quem transita na área onde ele era mestre… Que está assistindo o julgamento na TV e ficou impressionado quando um defensor de um dos réus disse que o presidente sabia de tudo e foi o mandante. Que ficou pasmo quando outro disse que “a piscina do Procurador está cheia de ratos, mas as ideias dele não correspondem aos fatos”... Que achou incrível outro dizer que a participação do seu cliente foi só a de “tomar uma cachacinha bem pequena com o presidente”. Que os defensores estão mais ousados, que no seu tempo eram bem mais contidos...
Ouvindo tudo isso, certamente PC falaria que viveu na época errada. Que hoje ninguém corre risco de ser algemado e transportado em camburões desconfortáveis, com a imprensa em cima, mostrando “a rapaziada” em situação difícil e com “cara de culpado”… Que no seu tempo, por muito menos, milhões de pessoas pintaram a cara e foram para a rua exigindo punição para um presidente.
Minha última pergunta seria sobre quem foram seus algozes. Quem foram os caras que o mataram quando dormia em casa com sua bela namorada. Com aquela “cara de pau” que o caracterizava, falaria que essa é uma pergunta embaraçosa… Que desde que sua vida acabou, ele prefere olhar “de longe” toda a lama que anda rolando por aí. Que seu “código de ética” continua intacto, que jamais entregaria pessoas que, apesar de tudo, mantiveram grandes segredos depois da tragédia… Não poderia encerrar sem perguntar se ficou alguma mágoa da Polícia Federal. Ele diria que não gosta de polícia, que antes de morrer rogou uma praga para que a instituição jamais ficasse forte o suficiente para acabar com a bandalheira que teima em desafiar a tudo e a todos - parece que ele foi atendido...
Satisfeito, encerraria a entrevista, agradecendo ao PC pela sua boa vontade em falar um pouco sobre o passado e o presente. Tomara que seus sucessores sejam castigados, mas em vida. Seu mau exemplo precisa servir para alguma coisa, as lições precisam ser aprendidas.
Obrigado Paulo César. Descansa em paz.
Grande PC.