Por Valacir Marques Gonçalves
"Sérgio
Lembrei dos meus tempos de 'cinéfilo', em Bagé.
Valacir"
Valacir,
Eu também, na medida do possível, era cinéfilo, nos meus tempos de Bagé, e bem depois, quando já morava em Pelotas. Mas por minha própria culpa não cheguei a assistir muitos daqueles 1001 filmes que todo mundo tem que ver para deixar de ser ignorante perante a sétima arte. Exemplo: Roma, Cidade Aberta é um clássico que eu sempre quis ver e nunca vi, ou por falta de oportunidade ou por esquecimento ou por relaxamento mesmo.
Por outro lado, quando eu era guri e [depois] adolescente, não perdia os filmes do Mazzaropi, os de romanos (nos quais podiam vir incluídos um Sansão, um Hércules, um Golias ou um Maciste), de piratas (os melhores foram os com o Errol Flynn) e de bang-bang italiano (quaisquer um deles).
Abraço,
Sérgio.
A
magia eterna do cinema
Valacir
Marques Gonçalves
Quando morreu o ator Philippe Noiret,
talvez muitos não tenham se dado conta de quem se tratava. Para os que gostam
de cinema, foi uma perda sentida. Ele atuou no filme “O Carteiro e o Poeta”,
que mostrou a vida de Pablo Neruda, e interpretou, entre outros, o inesquecível
Alfredo, em outro filme marcante, “Cinema Paradiso”, um clássico que ficou
guardado no coração de gente de todas as gerações. Quando recordo esse filme, é
impossível não lembrar da influência que o cinema teve na minha vida.
Assisti a filmes desde cedo. Fui daqueles
que iam para frente do cinema com a finalidade de trocar “gibis” (revistas
juvenis) para assistir, depois, aos filmes de “mocinho e bandido” que marcaram
uma época. Durango Kid, Rock Lane, Gene Autry e seu cavalo “Campeão”, Roy
Rogers com o “Trigger”, o Zorro e seu amigo Tonto, e tantos outros que
enfeitiçavam as matinées de domingo com
as aventuras de justiceiros invencíveis.
Era apenas o começo. Prosseguiu com os
filmes nacionais, as famosas “chanchadas” da Atlântida. Os heróis eram outros:
a dupla Oscarito e Grande Otelo, Ankito, José Lewgoy, Zezé Macedo, Dercy
Gonçalves, Zé Trindade, o casal Cyl Farney e Eliana e o caipira Mazzaropi nos faziam
rir com as histórias de um Brasil ingênuo, terno, ainda sem a violência que nos
atormenta hoje. Nos rincões do país, víamos o Rio de Janeiro com suas belezas e
os grandes cantores que conhecíamos através do rádio.
E os piratas? Eles se enfrentavam em todos
os mares, muitos com “pernas de pau, olhos de vidro e caras de mau”, como dizia
uma música de sucesso. O capitão Gancho e sua turma participavam de grandes
batalhas, nas quais morriam “milhares” de combatentes. Era muito pirata morto,
acho que foi por isso que os filmes acabaram - não sobrou ninguém… Nos filmes
de “capa e espada”, espadachins duelavam com golpes espetaculares. Durante a
semana, fabricávamos espadas com as quais tentávamos copiar a elegância do
D’Artagnan e seus companheiros..
Mas surgiu algo sério. Fomos apresentados
ao neorealismo italiano. Obras como “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto
Rosselini, e “Ladrões de Bicicleta”, de Vitório de Sicca, revelaram que o mundo
não era feito só de sonhos, de piratas ou de mocinhos. Elas nos mostraram a
miséria, a solidão e o sofrimento de maneira clara e sem rodeios. Foi um choque
- começávamos a deixar de ser meninos... Quando Nelson Pereira dos Santos, com
“Rio, 40 graus”, Glauber Rocha e outros cineastas brasileiros começaram a
produzir o “Cinema Novo”, podemos ver onde eles tinham se inspirado.
Depois do choque do neorealismo, foi a vez
dos franceses com a inquietante
“Nouvelle Vague”. Vivíamos numa sociedade austera, vigiada. Namoro era coisa
séria. Segurar a mão ou dar um beijo na amada era algo batalhado, envolvia
muitas estratégias. A “Nouvelle Vague”, liderada por François Truffaut,
Jean-Luc Godard e Roger Vadim, entre outros nos “enlouqueceu”. A obra “Et Dieu…
Créa La Femme”,
ou “E Deus criou a mulher”, foi logo condenada pela “Legião da Decência”,
organização ligada a Igreja que não aceitava conteúdos sexuais no cinema. Vadim
nos apresentou sua então esposa Brigitte Bardot, que seria a musa de toda uma
geração. Os franceses mostravam mulheres desnudas, cenas ardentes, diálogos
apimentados - era a glória. Na distante Bagé da minha infância, o difícil era
entrar no cinema. Foi preciso muita
conversa e um penoso investimento em dissimulados presentes para o porteiro…
Daí para frente vi muitos outros filmes.
Alguns, maravilhosos, com grandes atores e diretores geniais. Marlon Brando e
sua inigualável interpretação do Dom Corleone, o chefão da Máfia. Marcello
Mastroianni namorando a Gabriela do Jorge Amado. Jack Nicholson, e seu
“Estranho no Ninho”. Ingrid Bergman, a enamorada inesquecível do Rick (Humphrey
Bogart) de “Casablanca”. O perfeccionista Al Pacino. James Dean e suas “Vidas
Amargas”. Jeane Moreau com “Jules e Jim”. Robert De Niro e o motorista
neurótico de “Taxi Driver”. Diretores como Elia Kazan, Billy Wilder, John Ford,
Martin Scorcese, Francis Ford Coppola e tantos outros.
Mas
de todos os filmes a que assisti, “Cinema Paradiso”, de Philippe Noiret, e seu
“Alfredo” foi o que mais me marcou. Jamais esquecerei. Tal como acontece no
teatro, o filme foi aplaudido de pé por uma platéia emocionada. Alfredo,
mostrando ao menino Totó, a magia do cinema com a descoberta de que o padre do
lugarejo censurava as cenas de beijos dos filmes foi emocionante. Ele tinha
guardado cuidadosamente todas as cenas de beijos que tinham sido cortadas - elas
finalmente foram assistidas. Elas nos ensinaram porque o cinema é eterno,
porque consegue influenciar tantas vidas…