sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

UM DESEJO DE LIBERDADE

Barcelona, 04 de julho de 1982. Pela segunda fase da Copa do Mundo disputada na Espanha, Polônia e União Soviética empataram em zero a zero, para vibração delirante de todas as torcidas presentes no estádio Camp Nou, exceto uma, a da própria União Soviética, cuja seleção, que era favorita nesse confronto, acabava de ser desclassificada.

Explica-se a reação do público pelo histórico papel opressivo do regime comunista da URSS sobre seus países satélites, aliado ao renascimento do ânimo destes países em busca de uma liberdade que parecia distante.


Lech Walessa, um líder sindical polonês que há pouco (31/08/1980) fundara o Sindicato Autônomo "Solidariedade", em todo o Mundo conhecido como "Solidarność", foi o pioneiro dessa nova corrente de libertação que se constituiu em um grande movimento social anti-comunista. Recomeçou ali a luta contra a dominação soviética, interrompida muitos anos antes com o fim da Primavera de Praga, em 1968, mas mantida em estado latente com as ininterruptas tentativas de fuga de pessoas que não aguentavam mais o sistema de vida que lhes era imposto do lado de lá da cortina de ferro. E quem mais sofria com isto eram os alemães que residiam em Berlim Oriental, tão próximos da liberdade e, ao mesmo tempo, tão longe, separados de seus irmãos ocidentais por redes metálicas eletrificadas com alarme, pistas de corrida para ferozes cães de guarda, e um muro de tijolos e concreto, de 3 metros de altura. Não dava para ver, nem ouvir o que acontecia do outro lado. Só imaginar.


Os aplausos à seleção da Polônia, que com o empate obtido, mandava a seleção da URSS de volta para casa, queriam dizer muito. E a televisão espanhola fazia questão de mostrar, a toda hora, a grande faixa empunhada pela torcida polonesa, onde se lia "Solidarność".


Estava prestes a germinar a semente lançada por Walessa.


Os atletas poloneses, Jozef Mlynarczyk, Marek Dziuba, Janusz Kupcewicz, Wlodzimierz Ciolek, Jan Jalocha, Waldermar Matysik, Wladislaw Zmuda, Stefan Majewski, Wlodimierz Smolarek, Andrzej Buncol, Grzegorz Lato e Zbigniew Boniek, e o técnico Antoni Piechniczek, saíram de campo esperançosos, imaginando repetir ou superar a performance da seleção de 1974. E imaginando, quiçá, a possibilidade de um dia serem parte de uma nação livre.


Os soviéticos de Rinat Dasaev, Tengiz Sulakvelidz, Aleksandr Chivadze, Sergei Baltacha, Anatoli Demianenko, Ramaz Shengelia, Sergei Andreev, Vladimir Bessonov, Yuri Gavrilov, Vitali Daraselia, Khoren Oganesian, Oleg Blokhin, Sergei Borovski, e do técnico Kostantin Beskov, entenderam o recado do público e, cabisbaixos não só pelo resultado de campo, deixaram o gramado [talvez] em modo de reflexão. Antes do jogo contra a Polônia sentiam-se como heróis da pátria. A balança do favoritismo pendia toda para o seu lado. É possível que já estivessem pensando na partida semi-final contra o Brasil ou contra a Itália - adversários no grupo C, que jogariam no dia seguinte.

Depois da partida não pensaram tanto assim na desclassificação - não tanto quanto na reação entusiasmada da maioria dos cerca de 65.000 torcedores, diante da inacreditável queda da seleção da URSS.
Acima, atletas poloneses e comissão técnica comemoram a classificação
Atletas da seleção da URSS se encaminham para o vestiário, sem alarde.
Dasaev, um dos melhores goleiros da história do futebol mundial, olha para o vazio, tentando achar uma explicação para o fracasso da sua SSSR (CCCP).

O recado estava dado. Serviu o Camp Nou, neste caso, como praça de reunião de povos diversos, os quais, como se falassem um só idioma, deram a entender que o nó estava muito apertado; que já era hora de abrir a cortina e permitir às pessoas o pleno uso de um dos valores fundamentais da existência: a liberdade de escolha.

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