Por Sofia Raievskaia - especial para a Gazeta Russa
Fonte Gazeta Russa
Cena do filme “A Identidade Bourne”
O modo como a Rússia é representada em alguns filmes de Hollywood pode transformar um suspense em comédia para o espectador russo. Conversas desordenadas, realidades e pessoas deturpadas ou retratadas de modo absurdo, fatos duvidosos ou indeterminados – tudo isso depõe contra os filmes americanos na ótica do público russo.
A Rússia, contudo, tornou-se há pouco um dos mercados mais importantes da indústria cinematográfica hollywoodiana. Não é rara a presença no país de estrelas do calibre de Tom Cruise, Will Smith e Megan Fox nas premières de filmes.
Para Hollywood, o mais complicado é, obviamente, a língua russa. Na internet há uma volumosa seleção de erros típicos. Nos documentos de “A Identidade Bourne”, um dos nomes do herói principal, Foma Kiniaev, quando escrito em russo, transformou-se em Aschf Lchtchfum. Quem escreveu não fez a transliteração, simplesmente mudou a configuração do teclado do inglês para o russo e apertou as mesmas teclas, supondo que as letras russas correspondentes estariam na mesma posição.
Em “O Terminal”, no passaporte do personagem interpretado por Tom Hanks, o nome escrito em russo é Gulinara Gulina. Tal nome e sobrenome serviriam melhor a uma mulçumana da república do Tartaristão do que a um homem do Leste Europeu.
Acontece que, mesmo quando os orçamentos cinematográficos são enormes, não se dá a devida atenção a textos e palavras em outras línguas.
“Hollywood faz filmes para si mesma. Para eles, não importa se somos representados com sotaque. Em geral, por que isso nos ofende? Os filmes não foram feitos para nós. Não conferiram os fatos? A verificação dos fatos é bastante superficial”, diz Ígor Jijíkin, ator russo que passou 23 anos nos EUA.
Nas filmagens de “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal”, Ígor chegou a discutir com o diretor, Steven Spielberg, o fato de que os personagens russos tinham um sotaque muito forte. Na opinião do ator, quem faz os filmes não leva em consideração essas falhas nem são intencionais.
Descaso ou incapacidade?
Segundo o produtor cinematográfico russo Víktor Alíssov, a deformação da língua russa nos filmes hollywoodianos é, pura e simplesmente, incompetência. “Fica a impressão de que economizaram na consultoria. Não faz sentido: gastar tanto tempo e recursos na verificação de fatos. O público consome assim mesmo. O importante é a boa atuação dos atores, os efeitos especiais”, afirma Alíssov.
A indústria cinematográfica americana peca também pela representação pouco autêntica dos russos. O ex-curador do Arquivo do Cinema, instituição subordinada à Secretaria de Cultura de Moscou, Erik Sarkissian, considera que a representação baseada em estereótipos é uma manobra política. “Será que Hollywood não se dá conta do que está fazendo quando filma o astronauta russo em “Armagedon” como um beberrão, usando aquele chapéu de pele? Ficou faltando só um urso e uma bonequinha matriochka!”
Erik acredita que isso só pode ser ironia e cinismo. Por não ter fortes concorrentes no mercado cinematográfico, o cinema hollywoodiano expõe o que quer e pode estabelecer as próprias regras.
“A representação da Rússia nos filmes de Hollywood é reflexo direto da influência que as notícias veiculadas nos EUA exercem sobre a visão de mundo”, explica Alíssov, afirmando que a culpa não é dos diretores.
“A opinião pública sobre a Rússia é simplesmente refletida nos filmes hollywoodianos. Eles filmam aquilo que acreditam ser verdadeiro e aquilo que as pessoas esperam ver. Na cabeça deles, a verdade é essa”, completa.
Disputas cinematográficas
Muitas pessoas já estão entediadas com a frequente representação da Rússia, dos comunistas e da máfia russa no papel de adversário natural dos EUA. Em “O Santo”, um nacionalista russo mafioso desestabiliza a situação na Rússia para tomar o poder. Em “Força Aérea Um”, com Harrison Ford, um grupo de comunistas russos sequestra o avião do presidente norte-americano para provocar uma nova guerra mundial.
Ainda assim, Ígor Jijíkin vê pontos positivos nisso. A representação dos russos como uma força poderosa, segundo ele, só melhora a imagem do país aos olhos da sociedade mundial. “Ela é colocada como contrapeso, criam a imagem do inimigo. É uma boa manobra tática. A Rússia é apresentada como forte adversário, indicando que se trata de uma grande potência”, afirma o ator.
Na opinião de Víktor Alíssov, a representação da Rússia como inimigo em muitos filmes americanos acontece por inércia, e essa tendência é cada vez mais rara, ao contrário da época da Guerra Fria. “Há certo estereótipo, a Rússia vinculada à máfia ou ao KGB. Acho que a guerra de informações prossegue na indústria cinematográfica”, diz Alíssov.
“A propósito, os nossos diretores, tempos atrás, também ironizavam os alemães, apresentando-os como clones militares”, reflete Erik Sarkissian. De fato, a indústria cinematográfica russa pecou e, às vezes, ainda peca na representação dos americanos.
Um exemplo disso é o novo seriado da moda, “Internos”. O personagem americano, Phil, é ingênuo, honesto e bondoso. Seus pais são gays. Na Rússia, e no próprio seriado, ele é motivo constante de piadas e gozações. “Uma série inteira de estereótipos!”, comenta Víktor Alíssov. “Mas tudo sem maldade.”
Mesmo com tantos exemplos ruins, há alguns anos, a revista “Russia!” concedeu um prêmio ao ator Viggo Mortensen por seu papel no filme “Senhores do Crime”. Mortensen recebeu o reconhecimento pela melhor representação de um personagem russo em filmes de Hollywood. A redação do veículo considerou que Viggo foi tocante e autêntico no papel do bandido arrependido Nikolai.