quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

OS SEGREDOS DE TUTANKHAMON

Zahi Hawass (Damietta/Domyat/Egito, 28/05/1947) - Arqueólogo e egiptólogo egípcio. Nos últimos anos adquiriu grande popularidade, graças às suas participações em inúmeros documentários que abordam a civilização do Antigo Egito. Desde 2002 desempenha o cargo de secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito.


Exames de DNA revelaram que Tutankhamon, o faraó-menino, sofria de uma doença óssea, além de má formação congênita num dos pés, problemas que somados, dificultavam-lhe a locomoção. Ele era filho de uma união entre irmãos, o que pode ter sido a causa das suas deformidades.
Foto: Kenneth Garrett


Por Zahi Hawass
"As múmias provocam a nossa imaginação. Impregnadas de mistério e magia, elas já foram pessoas que viveram e amaram, tal como nós.

Estou convencido de que é nosso dever honrar esses mortos antigos e garantir que descansem em paz. No entanto, há segredos dos faraós que só podem ser revelados por meio do estudo de suas múmias. Em 2005, quando foram feitas tomografias computadorizadas da múmia de Tutankhamon, pudemos comprovar que ele não morrera devido a um golpe na cabeça, como muitos acreditavam. Nossa análise revelou que o orifício na parte de trás de seu crânio havia sido aberto durante o processo de mumificação. O exame também mostrou que Tut morreu com apenas 19 anos de idade - talvez logo depois de ter sofrido uma fratura na perna esquerda. Porém, ainda restam outros mistérios em relação ao faraó-menino que até mesmo a tomografia computadorizada não consegue esclarecer. Por isso, decidimos realizar um exame ainda mais profundo de sua múmia e, no fim, acabamos descobrindo fatos extraordinários a respeito de sua vida, seu nascimento e sua morte.
Para mim, a história de Tutankhamon é como uma peça teatral cujo fim ainda está sendo escrito. O primeiro ato do drama tem início por volta de 1390 a.C., décadas antes do nascimento de Tut, quando o faraó Amenhotep III (também conhecido como Amenófis III) sobe ao trono do Egito. À frente de um império que se estende por 1,9 mil quilômetros, desde o rio Eufrates ao norte até a quarta catarata do Nilo ao sul, esse soberano da 18a dinastia vive em meio a uma abundância material inimaginável. Ao lado da poderosa rainha Tiye, governa o Egito por 37 anos, venerando os deuses de seus ancestrais, sobretudo Amon, enquanto o povo prospera e imensas riquezas, originárias de seus domínios estrangeiros, se acumulam em seus cofres.

Se o primeiro ato tem a ver com bonança e estabilidade, o segundo é marcado pela revolta. Ao morrer, Amenhotep III é sucedido por seu segundo filho, que assume o trono como Amenhotep IV - um visionário que dá as costas ao culto de Amon e de outros deuses do panteão oficial e passa a venerar uma divindade única, conhecida como Aton, o disco do Sol. No quinto ano de seu reinado, ele muda o próprio nome para Akhenaton, ou "aquele que é benéfico a Aton". Também atribui a si mesmo a condição de deus vivo e abandona o tradicional centro religioso de Tebas, erguendo uma cidade cerimonial 290 quilômetros ao norte, em um local hoje conhecido como Amarna. Ali ele vive com sua rainha, a bela Nefertiti, e juntos se tornam os sumo-sacerdotes de Aton, cumprindo essa função com a ajuda de suas seis filhas. Os sacerdotes são despojados de todo poder e riqueza, e Aton reina supremo. Nesse período, a arte é perpassada por novo e revolucionário realismo: o próprio faraó não é mais, como os antecessores, retratado com semblante idealizado e corpo jovem e musculoso, e sim com aparência afeminada, barriga protuberante, rosto alongado e lábios carnudos.

O fim do reino de Akhenaton está envolto em confusão - como se a ação da peça se transferisse aos bastidores. Um ou talvez dois faraós governam por breves períodos, com Akhenaton ainda vivo, já morto ou em ambos os casos. Como outros egiptólogos, estou convencido de que o primeiro desses "reis" é, na verdade, Nefertiti. Já o segundo é um personagem enigmático chamado Smenkhkare, sobre o qual pouco conhecemos. O que se sabe com certeza é que, ao subir a cortina e começar o terceiro ato, o trono está ocupado por um menino de apenas 9 anos de idade: Tutankhaton ("a imagem viva de Aton"). Em algum momento nos dois primeiros anos de seu reinado, ele e sua mulher, Ankhesenpaaton (que era filha de Akhenaton e de Nefertiti), abandonam Amarna e voltam a Tebas, reabrindo os templos e restituindo-os à antiga glória e prosperidade. Também alteram os próprios nomes, para Tutankhamon e Ankhesenamon, proclamando sua rejeição à heresia de Akhenaton e uma devoção renovada ao culto de Amon.

Em seguida a cortina se fecha. Dez anos depois de subir ao trono, Tutankhamon morre, sem deixar herdeiros que possam ocupar o seu lugar. Ele é sepultado às pressas em uma tumba de pequenas dimensões, projetada para um indivíduo comum não para um faraó. Em represália contra a heresia de Akhenaton, seus sucessores empenham-se em obliterar dos registros históricos quase todos os traços dos reis de Amarna, entre eles Tutankhamon.

Ironicamente, essa tentativa de eliminar a memória dele acabou preservando Tutankhamon para sempre. Menos de um século após ele morrer, a localização de sua sepultura havia sido esquecida. Oculta de saqueadores por outras edificações erguidas no mesmo local, ela permaneceu intacta até ser descoberta em 1922. Mais de 5 mil objetos foram encontrados no interior da tumba. No entanto, os registros arqueológicos até hoje não conseguiram esclarecer os relacionamentos familiares mais próximos do faraó. Afinal, de quem ele era filho? O que aconteceu com a sua viúva, Ankhesenamon? Os dois fetos mumificados achados no túmulo seriam filhos prematuros de Tut ou sinais de pureza para acompanhá-lo na vida após a morte?

Para esclarecer essas dúvidas, resolvemos analisar o DNA de Tutankhamon, assim como o de dez outras múmias que se supõe serem membros de sua família imediata. No passado, fui contra o estudo genético das múmias de faraós. A probabilidade de obter amostras viáveis e ao mesmo tempo evitar a contaminação delas com DNA moderno era por demais insignificante para justificar a manipulação desses restos mortais sagrados. Todavia, em 2008, vários geneticistas me convenceram de que as técnicas haviam sido aperfeiçoadas de tal modo que havia boa chance de conseguirmos resultados aproveitáveis. Assim, montamos dois laboratórios de sequenciamento genético, um deles no porão do Museu Egípcio do Cairo e o outro na Faculdade de Medicina da Universidade do Cairo. A pesquisa seria conduzida por dois cientistas egípcios, Yehia Gad e Somaia Ismail, do Centro Nacional de Pesquisa, também no Cairo. Decidimos ainda realizar tomografias computadorizadas de todas as múmias, sob a direção de Ashraf Selim e Sahar Saleem, da Faculdade de Medicina da Universidade do Cairo. Três especialistas internacionais trabalharam como consultores: Carsten Pusch, da Universidade Eberhard Karls, de Tübingen, na Alemanha; Albert Zink, do Instituto Eurac, em Bolzano, na Itália; e Paul Gostner, do Hospital Central de Bolzano.

As identidades de quatro das múmias eram conhecidas: a do próprio Tutankhamon, que permanecia em seu túmulo no Vale dos Reis, e três múmias expostas no Museu Egípcio - a de Amenhotep III, e as de Yuya e Tuyu, os pais de Tiye, a rainha de Amenhotep III. Entre as múmias não identificadas havia um homem achado em um misterioso túmulo no Vale dos Reis identificado como KV55. Os indícios arqueológicos e textuais sugeriam que se tratava provavelmente de Akhenaton ou de Smenkhkare.

A busca pela mãe e pela esposa de Tutankhamon concentrou-se em quatro múmias do sexo feminino não identificadas. Duas delas, apelidadas de "Dama Mais Idosa" e "Dama Mais Jovem", haviam sido descobertas em 1898, desenroladas e colocadas no piso de uma câmara lateral da tumba de Amenhotep II (KV35), ocultas ali por sacerdotes após o fim do Novo Império, por volta de 1000 a.C. As outras duas múmias anônimas provinham de uma pequena tumba (KV21), também no Vale dos Reis, cuja arquitetura indicava ter sido feita na 18a dinastia. Ambas estavam com o punho esquerdo apoiado no peito, considerado um gesto próprio de rainhas.

Por fim, tentaríamos obter amostras de DNA dos fetos achados no túmulo de Tut - uma perspectiva pouco promissora, dado o estado deteriorado em que estavam. Caso conseguíssemos algo, teríamos as peças faltantes em um quebra-cabeça régio que abrange cinco gerações. a fim de obter mostras utilizáveis, os geneticistas extraíram tecidos de diferentes partes de cada múmia, sempre de um nível profundo nos ossos, de modo a excluir por completo a possibilidade de contaminação pelo DNA de arqueó-logos anteriores - ou mesmo dos sacerdotes egípcios que haviam feito a mumificação. Depois de extraídas as amostras, era preciso separar o DNA de outras substâncias indesejáveis, como unguentos e resinas, usadas na preservação do corpo. E, como o material de embalsamamento mudava de uma múmia para a outra, variavam os passos necessários para a purificação do DNA.

No centro desse estudo estava Tutankhamon. Se o processo de extração e isolamento fosse bem-sucedido, o DNA dele seria capturado sob a forma de uma solução líquida translúcida, pronta para ser analisada. Para nossa decepção, contudo, as soluções iniciais eram todas de coloração escura e opaca. Seis meses de trabalho duro foram necessários para descobrirmos uma forma de eliminar o contaminante - algum produto ainda hoje desconhecido no processo de mumificação - e conseguirmos uma amostra adequada para ser amplificada e sequenciada.

Depois de retirarmos também o DNA das três outras múmias masculinas - Yuya, Amenhotep III e o KV55 -, tentamos esclarecer a identidade do pai de Tutankhamon. Nessa questão crítica, os registros arqueológicos eram incertos. Em várias inscrições de seu reinado, Tut refere-se a Amenhotep III como sendo o seu pai, mas isso não pode ser considerado conclusivo, pois o termo usado pode ser interpretado como "avô" ou "antepassado". Além disso, de acordo com uma cronologia aceita, Amenhotep III morreu uma década antes do nascimento de Tutankhamon.

Muitos estudiosos estão convencidos de que seu pai foi, em vez disso, Akhenaton. Em apoio a essa posição há um bloco quebrado de calcário com inscrições nas quais tanto Tutankhaton como Ankhesenpaaton são chamados de filhos amados do faraó. Como sabemos que Ankhesenpaaton era filha de Akhenaton, podemos deduzir que Tutankhaton (mais tarde Tutankhamon) também era filho dele. Porém, nem todos cientistas consideram tal indício conclusivo, e argumentam que o pai de Tut seria Smenkhkare. Sempre me inclinei à opção de Akhenaton, mas isso nunca passou de uma hipótese.

Uma vez isolado o DNA das múmias, seria simples comparar os cromossomos Y de Amenhotep III, do KV55 e de Tutankhamon, e ver se havia relação entre eles. (Indivíduos do sexo masculino aparentados exibem o mesmo padrão de DNA em seus cromossomos Y, pois essa parte do genoma masculino é herdada do pai.) Porém, esclarecer o relacionamento exato entre eles requeria um tipo mais sofisticado de comparação genética. Ao longo dos cromossomos em nosso genoma existem determinadas regiões já mapeadas nas quais os padrões das letras do DNA - os As, Ts, Gs e Cs que compõem o nosso código genético - variam muito de uma pessoa para outra. Essas variações equivalem a quantidades distintas das sequências repetidas dessas mesmas letras. Enquanto um indivíduo pode ter uma sequência de letras repetida dez vezes, outro não aparentado pode ter a mesma sequência repetida 15 vezes, um terceiro 20 vezes e assim por diante. Uma correlação entre dez dessas regiões variáveis é suficiente para o FBI concluir que o DNA colhido na cena de um crime e o DNA de um suspeito são idênticos.

Contudo, para reunir os membros de uma família separada há 3,3 mil anos, não é preciso tanto rigor quanto o exigido para solucionar um crime. Comparando apenas oito dessas regiões variáveis, nossa equipe foi capaz de determinar, com probabilidade superior a 99,99%, que Amenhotep III era o pai do indivíduo na KV55, o qual por sua vez era o pai de Tutankhamon.

Já sabíamos que estávamos diante do corpo do pai do faraó-menino - mas, por outro lado, ainda continuávamos ignorando quem era ele. Nossos principais suspeitos eram Akhenaton e Smenkhkare. A tumba KV55 continha um depósito oculto de material que se imagina ter sido levado a Tebas por Tutankhamon de Amarna, onde Akhenaton (e talvez Smenkhkare) havia sido sepultado. Embora os cartuchos - as molduras oblongas em torno dos nomes do faraó - tenham sido obliterados no ataúde, ainda restaram epítetos associados apenas a Akhenaton. A maior parte das análises forenses havia concluído que o corpo no interior do ataúde era de um homem de 25 anos de idade no máximo - ou seja, jovem demais para ser Akhenaton, que aparentemente teve duas filhas antes do início de seu reinado de 17 anos. Portanto, a maioria dos estudiosos desconfiava que aquela múmia pertencia ao enigmático faraó Smenkhkare.

Agora uma nova testemunha podia ser convocada para nos ajudar a resolver o mistério. A múmia da chamada Dama Mais Idosa (KV35EL) continua graciosa mesmo na morte, com seu longo cabelo ruivo que chega aos ombros. Um fio havia antes se mostrado idêntico, em termos morfológicos, a uma mecha de cabelo achada em um dos pequenos ataúdes, encaixados uns nos outros, dentro do túmulo de Tutankhamon, e nele estava inscrito o nome da rainha Tiye, a esposa de Amenhotep III - e mãe de Akhenaton. Ao comparar o DNA da Dama Mais Idosa com o das múmias dos pais conhecidos de Tiye, Yuya e Tuyu, comprovamos que era mesmo a rainha Tiye. E, graças a ela, seria possível verificar se a múmia KV55 era de fato seu filho.

Os exames de DNA confirmaram tal relação. Novas tomografias da múmia KV55 também revelaram uma degeneração, associada à velhice, na coluna vertebral, assim como osteoartrite nos joelhos e nas pernas. Constatou-se que ele morrera com idade mais próxima dos 40 anos que dos 25, como antes se pensava. Com a discrepância na idade solucionada, dava para concluir que a múmia KV55, o filho de Amenhotep III e da rainha Tiye, e pai de Tutankhamon, pertence, quase com certeza, a Akhenaton. (Mas, como sabemos muito pouco a respeito de Smenkhkare, não há como excluí-lo de uma vez por todas.)

A rodada de tomografias das múmias também nos permitiu excluir a ideia de que a família sofria de uma enfermidade congênita, como a síndrome de Marfan, que poderia explicar os rostos alongados e a aparência feminilizada evidentes na arte do período Amarna. Nenhuma patologia foi detectada. Em vez disso, a aparência andrógina de Akhenaton parece ser consequência estilística de sua identificação com a divindade Aton, que era ao mesmo tempo masculina e feminina e por isso a fonte de toda a vida.

E quanto à mãe de Tutankhamon? Para nossa surpresa, o DNA da chamada Dama Mais Jovem (KV35YL), encontrada ao lado de Tiye na alcova da KV35, era semelhante ao do faraó-menino. Mais assombroso ainda, o DNA dela comprovou que, tal como Akhenaton, ela era filha de Amenhotep III e Tiye. Ou seja: Akhenaton havia tido um filho com a própria irmã. E o menino ficaria conhecido como Tutankhamon.

Com essa descoberta, agora sabemos que é bem pouco provável que uma das esposas conhecidas de Akhenaton, seja Nefertiti, seja uma outra mulher chamada Kiya, fosse a mãe de Tutankhamon, pois nada no registro histórico diz que qualquer uma delas era irmã do faraó. Conhecemos o nome das cinco filhas de Amenhotep III e Tiye, mas provavelmente jamais saberemos qual delas teve um filho com o irmão, Akhenaton. O incesto não era incomum entre a realeza do Antigo Egito. Nesse caso, porém, creio que ele foi a semente que levaria à morte prematura do filho desse casal régio.

Os resultados de nossa análise de DNA, divulgados em fevereiro de 2010 no Journal of the American Medical Association, convenceram-me de que a genética pode ser um novo e poderoso instrumento para ampliar o entendimento da história egípcia, sobretudo quando associada a estudos radiológicos das múmias e aos indícios colhidos nos registros arqueológicos.

Isso se mostrou mais que evidente em nossa tentativa de entender a causa da morte de Tutankhamon. Quando iniciamos o novo estudo, Ashraf Selim e seus colegas toparam com algo que antes passara despercebido nas tomografias da múmia: Tutankhamon tinha o pé esquerdo deformado, faltava um osso num dos dedos e os ossos de parte do pé estavam destruídos por uma necrose. A má-formação do pé e a doença óssea teriam prejudicado sua capacidade de locomoção. Os estudiosos já haviam notado que, em sua tumba, foram achadas 130 bengalas, com algumas mostrando sinais claros de uso.

Alguns deles argumentaram que tais bastões eram símbolos comuns de poder e que a deformação no pé de Tutankhamon pode ter sido causada durante o processo de mumificação. No entanto, nossa análise mostrou que havia ocorrido reconstituição óssea como reação à necrose, comprovando que ele foi afetado pelo problema ainda vivo. Além disso, de todos os faraós, Tut é o único que, nas imagens, aparece sentado enquanto realiza atividades como atirar flechas ou arremessar lanças. Esse não era um soberano que empunhava um bastão apenas como símbolo de poder. Era um jovem que precisava de bengala para andar.

Embora incapacitante, a doença óssea de Tutankhamon, por si mesma, não teria sido fatal. Submetemos sua múmia a exames visando a identificação de traços genéticos de várias enfermidades infecciosas. Eu tinha dúvidas de que os geneticistas fossem capazes de achar tais indícios - e me enganei. Com base na presença de DNA de várias linhagens do parasita Plasmodium falciparum, é inegável que Tutankhamon sofria de malária - na verdade, o faraó contraíra inúmeras vezes a forma mais grave da doença.

Foi a malária que causou sua morte? É possível. A doença pode desencadear uma reação fatal, com choque circulatório, hemorragia, convulsões, coma e óbito. Porém, como salientado por outros cientistas, a malária era comum na região naquela época, e Tut pode ter adquirido imunidade parcial à doença. Por outro lado, ela também poderia ter debilitado seu sistema imunológico, tornando-o mais vulnerável a possíveis complicações advindas da fratura não cicatrizada na perna que constatamos em 2005.

Em minha opinião, contudo, a saúde de Tutankhamon já estava comprometida desde o momento em que foi concebido. O pai e a mãe dele eram irmãos. O Egito dos faraós não foi a única sociedade na história a institucionalizar o incesto régio, que pode apresentar vantagens políticas. Mas irmãos que se casam entre si correm risco maior de transmitir cópias gêmeas de genes danosos, tornando seus filhos vulneráveis a vários defeitos congênitos. O pé malformado de Tutankhamon pode ser resultado disso. Desconfiamos também que ele tinha uma fenda palatina parcial, outro defeito congênito. Talvez se debatesse com outros problemas desse tipo, até que um surto mais grave de malária, ou uma perna quebrada em acidente, tenha sido a gota d’água para um organismo em precário equilíbrio.

É possível que haja outros testemunhos pungentes do legado do incesto régio, sepultados ao lado de Tutankhamon em seu túmulo. Embora os dados ainda estejam incompletos, nosso estudo sugere que um dos fetos mumificados que foram achados ali pode ser a filha do próprio Tutankhamon, e que o outro também seja filho dele. Até agora, apenas conseguimos reunir dados parciais das duas múmias femininas da tumba KV21. Uma delas, identificada como KV21A, talvez seja a mãe dos natimortos e, portanto, a esposa de Tutankhamon, Ankhesenamon. Pelo registro histórico, sabemos que era filha de Akhenaton e Nefertiti - portanto, meia-irmã do marido. Outra consequência possível da endogamia é a dificuldade para levar a bom termo a gravidez, por causa de defeitos genéticos.

Portanto, talvez essa seja a conclusão da peça, com um jovem faraó e sua rainha tentando em vão dar à luz um herdeiro vivo ao trono do Egito. Entre os inúmeros e esplêndidos objetos sepultados com Tutankhamon há uma pequena caixa revestida de marfim na qual foi entalhada uma cena do casal régio. O rei Tut está apoiado em uma bengala enquanto a rainha lhe oferece um buquê de flores. Nessa e em outras imagens, eles parecem desfrutar de um amor sereno.

O fracasso desse amor em dar frutos significou o fim não apenas de uma família mas de toda a dinastia. Sabemos que, após a morte de Tut, uma rainha egípcia, provavelmente Ankhesenamon, fez um apelo ao rei dos hititas, os grandes inimigos do Egito, pedindo-lhe que enviasse um príncipe para desposá-la, pois "meu marido está morto, e não tenho filhos". O soberano atende ao pedido, mas o seu filho morre antes de chegar ao destino. Na minha opinião, ele foi assassinado por Horemheb, o comandante dos exércitos de Tutankhamon, que depois acaba se apoderando do trono. Mas Horemheb também morre sem descendentes e deixa o trono a outro militar.

Esse comandante assume o poder com o nome de Ramsés I. O novo faraó dá início a outra dinastia, que, sob o governo de seu neto, Ramsés II, vai conduzir o Egito a um novo auge de poder imperial. Mais que qualquer outro, esse soberano dedica-se a apagar da história todos os resquícios de Akhenaton, Tutankhamon e outros 'heréticos' do período Amarna. Com nossas investigações, procuramos honrá-los e manter viva sua memória."

Fonte: National Geographic

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